27 de julho de 2024

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Autoridades sonolentas

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Sidnei Canhedo

Risco de sonolência no volante das autoridades brasileiras. Brasil é o terceiro no ranking global onde mais pessoas morrem por acidentes, atrás apenas de Índia e China, respectivamente

Um piscar de olhos pode ser fatal. A inerente insistência de nosso corpo, em tentar fechá-los quando não queremos, por exemplo, ao dirigirmos, tem dois diagnósticos claros: é fadiga ou sonolência. A primeira é a sensação de estar constantemente cansado, já a segunda é um sinal claro que precisamos dormir.

No início deste ano, três acidentes com ônibus mostraram o real perigo de envolver fadiga e ou sonolência com volante. As investigações ainda ocorrem mas as principais suspeitas apontam como culpado a necessidade de dormir dos três motoristas que conduziam nas estradas de Minas Gerais (Além Paraíba), Mato Grosso (Sinop) e no Paraná (Fernandes Pinheiro), esse último, já com a confissão do condutor que disse: ‘Eu dormi’.

Infelizmente, falamos de um cenário constante de acidentes em nossas ruas, avenidas e estradas, mas a realidade é que pouco se faz para coibir e reduzir as tragédias causadas pelo vilão sono. Os governos, em todos níveis, falham em prevenção, em fiscalização e também em punição. Não promovem debates fundamentais, adiam a implantação de transformações tecnológicas já existentes que são capazes de minimizar em muito esses tristes episódios.

Antes de comentar sobre soluções pouco ou não adotadas, vale lembrar que falamos de um dos mais violentos países quando o assunto é fatalidade causada por veículos. De acordo com o relatório Status Report on Road Safety, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano passado, o Brasil é o terceiro no ranking global onde mais pessoas morrem por acidentes, atrás apenas de Índia e China, respectivamente.

Quando tentamos entender a responsabilidade da falta de descanso nesse contexto, vemos que um recente estudo da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET) em parceria com a Academia Brasileira de Neurologia e com o Conselho Regional de Medicina, aponta que 42% dos acidentes estão relacionados ao sono e 18% por fadiga. Somados temos incríveis 62% das tragédias causadas por motoristas que não deveriam estar no comando de veículo, por falta de condições físicas para tal.

Os fatores são diversos. Entram nesse pacote uma questão cultural de displicência e irresponsabilidade dos motoristas brasileiros. Cabe ao estado promover educação de trânsito e imensas campanhas de mídia para que esse quadro cultural seja revertido positivamente. Mas, em países em desenvolvimento, sabemos que isso leva tempo. No Brasil, caminhamos pouco e a passos lentos nesse quesito.

Cabe também aos órgãos públicos investirem mais recursos em infraestrutura. Disponibilizar, principalmente nas rodovias, mais áreas de descanso seguras e que incentivem o motorista a parar se ele sentir a fadiga durante o percurso. Poucas rodovias oferecem esse espaço, em geral, apenas algumas gerenciadas por concessionárias, a maioria na região sudeste do país.

A fiscalização também é falha e incipiente. Embora a tecnologia já exista, ainda não há aparelhos produzidos em larga escala, como o bafômetro, que contribuam na identificação em blitz, mas policiais treinados são capazes de encontrar sinais de fadiga de motoristas e orientá-los ao descanso ou para que cedam o volante a outro. Também deixa a desejar a quantidade de agentes que monitoram as rodovias e ruas pelo país. Baixa incidência e ineficácia

Entramos no quesito legislação e nos damos conta do quanto estamos atrasados. Faltam leis mais rigorosas, por exemplo, como ocorre em alguns estados americanos como Nova Jersey e Arkansas, onde a condução ‘conscientemente sonolenta’ pode levar a pessoa a ser acusada de homicídio veicular. O infrator é cobrado no mesmo nível que um condutor embriagado.

Mas é a falta da ‘prevenção tecnológica’ um dos grandes entraves no Brasil. A Europa aprovou no ano passado um super pacote chamado New Safety Features in your Car (Novas Configurações de Seguranças no seu Carro). Nele, entre dezenas de avanços, foi decidido que desde o ano passado todas as novas homologações de modelos de veículos deverão conter um sensor que detecta fadiga ou distrações dos motoristas e a partir de 2024 passará a ser obrigatório em todos os novos veículos vendidos no velho continente. É uma quebra de paradigma e uma revolução em segurança, assim como foi com o airbag.

Por aqui, o debate sobre a possível adoção desses equipamentos quase não existe. Não há projeto de lei em fase avançada que regulamente as montadoras obrigando-as a instalarem câmeras capazes de identificar oscilações nas pálpebras dos motoristas e imediatamente emitir um sinal de alerta no painel.

Chega a ser desesperador não termos resoluções concretas, pois trata-se de um dos principais aliados na prevenção de perda de vidas no trânsito. E se ainda estamos longe de aprovar uma legislação similar à europeia, mais longe ainda estaremos de uma futura implantação da obrigatoriedade, já que mudanças como esta quase sempre preveem alguns anos para as fabricantes se prepararem.

O que há de mais moderno e avançado em monitoramento de fadiga é utilizado, por exemplo, pela NASA (Agência espacial americana), e na indústria de mineração (inclusive por aqui). Sim, temos uma imensa contradição no Brasil. Esse setor de commodities coloca o país como Benchmark global em gerenciamento de fadiga. Por outro lado, estamos a anos luz do ideal em políticas públicas de prevenção de acidentes causados por sono. 

A mineração utiliza esses equipamentos de última geração, em na atuação de caminhões fora-de-estrada Tratam-se de óculos que acusam in real time, qualquer aumento de sonolência, tanto para o motorista como em uma cabine de controle e monitoramento, com uma antecedência de cerca de 15 a 20 minutos antes do operador cair no sono. Possuem um sensor que detecta os reflexos das pálpebras e um processador integrado que digitaliza os reflexos a 500 vezes por segundo.

Evidente que essa tecnologia, capaz de reduzir quase a zero o número de acidentes, não pode ser aplicada a centenas de milhões de motoristas no mundo todo. Mas as câmeras que serão implantadas nos carros europeus terão uma eficiência importante e certamente contribuirão na redução de um percentual significativo de acidentes. 

É uma pena o atraso no Brasil! A cada dia que passamos sem o apoio da tecnologia na identificação de fadiga e sono, mais tragédias que poderiam ser evitadas ocupam espaço na imprensa. Enquanto pouco se faz, a sociedade segue acostumada a ‘aceitar’ esses graves acidentes e muitos nem imaginam que a maioria deles poderia ter sido evitada se tivéssemos uma política pública desperta.   

Artigo de Sidnei Canhedo, mestre em saúde ambiental e gestor da Optalert, biotech australiana, especializada em tecnologia de controle de fadigas

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