Compartilhando responsabilidades
Medida pode ser a solução para o problema dos combustíveis. Redução da inflação exige que diferentes protagonistas assumam o compromisso com as medidas de enfrentamento do preço do diesel
Se o preço dos combustíveis já assustava o mercado no começo dos ajustes sucessivos, com os aumentos recentes, a preocupação aumenta. No último domingo, a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística) divulgou um comunicado quanto à última variação de 14,26% do diesel anunciado pela Petrobrás. De acordo com a entidade, o aumento acarretará em um reajuste de 5% no frete e destacou a urgência das empresas de transporte repassarem essa cobrança para os seus fornecedores e clientes.
Estimativas do Ministério de Minas e Energia apontam para uma sobrevivência de, no máximo, 38 dias sem a necessidade de importação antes da escassez de produtos. Todavia, representantes do transporte rodoviário de cargas afirmam não existir possibilidade de o setor manter as suas operações frente a esse cenário. Segundo o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Vander Costa, em entrevista para a CNN em 11 de maio, o risco de paralisação das empresas de transporte é possível caso não aconteça o reajuste imediato da cobrança do frete.
O diretor operacional da Anacirema Transportes, José Alberto Panzan, explica que nenhum setor tem como se manter estável sem a atuação das transportadoras. “Pela prevalência do modal rodoviário no Brasil, qualquer interferência no nosso setor ocasiona alterações em outros mercados. Porém, o problema que enfrentamos encontra-se no fato de estarmos arcando com a maior parte do frete e com pouca margem para o repasse do valor, assim, fica insustentável”.
José Alberto acredita que, caso a defasagem do frete não diminua, muitas empresas do transporte rodoviário de cargas correm o risco de falência. No caso do diretor da Anacirema, cuja especialidade é o serviço de lotação, ou cargas fechadas, a situação é pior: devido ao tipo de operação realizada, o gasto de combustível por viagem é maior. Além disso, por ser uma das principais modalidades na distribuição de alimentos, o custo elevado do diesel ocasionará a falta de oferta no número de caminhões disponíveis para a entrega e aumentará a inflação na cesta básica dos brasileiros.
“Tentamos fazer de tudo, buscando implementar processos modernos de logística e realizando parcerias por meio de clube de compras com outras empresas para diminuir o impacto desse custo, mas chega um ponto em que não há mais o que fazer. Se em outros tipos de transporte, o diesel já é responsável por 35% dos gastos; no de lotação, ele chega a 50% do orçamento. Como empresário do transporte, acredito que, em longo prazo, uma alternativa é apostar na intermodalidade. Contudo, por enquanto, a principal saídaé o compartilhamento de responsabilidades entre todos os envolvidos no problema”, declara.
Mesmo com os desafios, ele enxerga o momento como uma oportunidade de as transportadoras estarem mais envolvidas com a política. A situação despertou a atuação do setor nas causas nacionais e incentivou a presença dos seus empresários em audiências públicas e nas sessões de debate com os representantes públicos para se oporem a medidas que colocarão em risco a logística nacional.
Na opinião do executivo, o Projeto de Lei Complementar 18/2022, que trata da fixação de 17% da alíquota máxima do ICMS nos estados, é um avanço, porém não muda o problema. “Hoje, se a cotação do barril de petróleo cai, não significa que haverá uma redução do preço do combustível. É preciso que o governo federal e os estados entendam o seu papel no problema e estejam dispostos a arcar com os custos, assim como os transportadores e a população brasileira já faz”.
Em junho deste ano, transportadores, incluindo José Alberto, estiveram no XXI Seminário Brasileiro do Transporte Rodoviário de Cargas, organizado pela NTC&Logística na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados. No dia, políticos, empresários e representantes de instituições ligadas ao transporte e à segurança pública questionaram os lucros da Petrobrás comparado aos custos encarados pela sociedade.
O diretor jurídico da NTC&Logística, Marcos Aurélio Ribeiro, em painel do evento, ilustrou o problema: “Só no ano de 2021, as vendas anuais da Petrobrás chegaram à casa de 62 milhões de litros, enquanto que o seu lucro foi de R$ 106 bilhões, tendo o governo federal como o principal acionista (aproximadamente 36%). É injusto que a população esteja arcando com esse custo ao mesmo tempo que a Petrobrás tem essa margem de ganho e não aceita compartilhar a responsabilidade da consequência nessa equação”.
A questão dos combustíveis explicita a complexidade do estudo e do controle da inflação. Da mesma forma, ilustra a importância do transporte rodoviário de cargas para a economia. Com o recente posicionamento assertivo dos empresários a respeito do assunto, é provável que as próximas análises sobre a inflação de custo passem a incluir o gasto com o frete e a possibilidade de desabastecimento não só pelo lado da indústria, mas da logística também.
Contudo, os protagonistas do setor não encaram essa nova realidade como um excesso de cobrança no governo. José Alberto, por exemplo, ressalta que, mais do que participar dos debates, os transportadores precisam se tornar protagonistas de uma gestão colaborativa e organizada, contribuindo com o fornecimento de informações e dados para os representantes públicos e auxiliando no diálogo e no entendimento entre o governo e o mercado.
“Estamos próximos das novas safras de grãos no agronegócio, ou seja, teremos em mãos uma ótima oportunidade para aumentar o consumo das famílias e diminuir os preços nos supermercados. Porém, enquanto os preços atuais dos combustíveis continuarem, reitero: não haverá resposta equivalente na velocidade e na qualidade da entrega dessas mercadorias nos supermercados. O momento é difícil, mas há caminhos, opções e, sobretudo, oportunidades para fazermos diferente”, finaliza o empresário.
Bruno Castilho
bruno@cargasetransportes.com.br